Afeto, bate-papo no bar e bolo de fubá para combater o discurso de ódio

Texto e fotos por Thiago Borges, do Periferia em Movimento

Nayra Lays, rapper e moradora do Grajaú, viu no Facebook um espaço para se colocar no mundo. Com textões e lacres, ampliou sua rede de influência e se conectou com pessoas que pensam de forma parecida. Mas a exposição também propicia o contrário: o discurso de ódio. E, para manter a saúde mental, ela evita ler comentários nas redes sociais e até bloqueia perfis indesejados. O problema é quando o chamado “hater” é alguém próximo, de carne osso, talvez da própria família. “É doído. Dói muito. E a gente se dispõe a sair da internet e ir lá trocar uma ideia pessoalmente?”, comenta.

O assunto movimentou a primeira roda de conversa realizada na quinta-feira passada (12/04) pelo Usina de Valores, projeto liderado pelo Instituto Vladimir Herzog e uma rede de movimentos sociais, grupos e organizações, com o tema “Cultura de Direitos Humanos vs. Discurso de Ódio”. O objetivo do encontro realizado no Campo Limpo, zona Sul de São Paulo, era discutir o aumento do discurso de ódio no Brasil, a importância do diálogo entre grupos diferentes e a influência da religião e da comunicação no atual contexto político.

Para Denise Alves, também rapper,  o ambiente online é o melhor lugar para a divulgação do trabalho de artistas independentes, como Nayra e ela. Porém, possibilita que as pessoas se tornem “valentes” para se posicionar ao mesmo tempo em que gera desconforto para quem luta pela garantia de direitos. “A internet, de certa forma, nos aprisionou”, observa.

Esse discurso de ódio sempre esteve presente na vida de parcela da população, como o povo negro e as pessoas LGBT, que são atravessados por isso assim que colocam os pés para fora de casa. Mas a psicóloga Elânia Francisca nota que, com a internet e as mídias sociais, não é preciso mais conviver com o outro para negar a existência dele. “Eu anulo o sujeito e a dor desse sujeito. Portanto, se eu digo que não existe racismo, não tem por que esse sujeito se sentir atacado”, ressalta Elânia, que atende usuários do Centro de Cidadania LGBT em Santo Amaro.

A jornalista Gisele Alexandre, que atua no CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular) do Campo Limpo, sempre atuou nas redes digitais e, por muito tempo, achou que estava fazendo um grande trabalho. Porém, ao tentar abordar a garantia de direitos na internet, notou que o assunto não tinha o mesmo alcance quanto notícias sobre trânsito, por exemplo, ao mesmo tempo em que gerava incômodo no público. “A internet é um espaço, ainda, de privilégios”, reforçou.

Como reverter essa situação? Denise Alves defende a retomada da tecnologia do encontro. “A internet quebrou essa roda aqui, propiciou o individualismo. A única forma da gente fazer isso acontecer é estarmos juntos, entender que isso tá muito além de nós nesse tempo-espaço. Isso é espiritual. A gente tá desequilibrado”, indica.

Para o assistente social Rafael, que também trabalha no Centro de Cidadania LGBT, é preciso deixar de marginalizar quem destila discursos de ódio e encontrar pontos de conexão com essas pessoas. “Minha mãe, uma mulher nordestina e periférica, muitas vezes tem um discurso que é homofóbico. Então, nós temos que fazer a cultura dos direitos humanos fazer sentido para essas pessoas”, complementa.

Rafael nota ainda que, enquanto o ódio se espalha rapidamente, a cultura dos direitos humanos é mais lenta, precisa ser trabalhada em “banho-maria”. Silene Monteiro, coordenadora do CDHEP Campo Limpo, vai de encontro com o que ele diz. “A linguagem sobre direitos humanos, às vezes, é muito dura. E eu sinto que, quando você vai para o enfrentamento de peito aberto, o tiro vai vir. Eles já sabem como combater. Por isso, talvez a estratégia seja a subjetividade”, sugere.

Na adoção de outras estratégias para gerar empatia na outra ponta, participantes da roda de conversa apontaram como possibilidades as manifestações artísticas tão em voga nas periferias, a cerveja no boteco ou até um simples bolo de fubá. O resgate da afetividade poder ser o antídoto para o discurso que envenena as relações cotidianas.

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