“É a nossa vez de contar o nosso tipo de piada”, diz o comediante Patrick Sonata
Os comediantes Patrick Sonata e Marcelo Magano participaram de uma das oficinas do Usina de Valores, no Rio de Janeiro. O evento aconteceu no dia 28 de julho no EDUCAP (Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção), no Complexo do Alemão.
Em uma atividade aberta a todos, a aula-show abordou a conexão entre o humor e a política. O objetivo foi mostrar, na prática, que o ato de fazer rir não tem nada a ver com falta de responsabilidade social.
Juntos há pelo menos três anos, em 2015, a dupla já teve um canal no Youtube para a publicação de vídeos que abordavam assuntos relacionados ao dia a dia em uma favela, contexto racial ou de classe.
Durante a oficina, Patrick e Magano contaram suas trajetórias individuais e como viram na comédia a possibilidade de transformar dilemas das periferias do Rio de Janeiro em riso. A dupla defende que a comédia brasileira precisa de novas perspectivas, além de subverter o padrão estereotipado com que o humor costuma falar sobre a população negra e pobre.
Em entrevista ao Usina de Valores, Patrick Sonata fala sobre como o humor precisa considerar o contexto social e político do seu entorno. Para ele, fazer o outro rir a qualquer custo não é negócio.
“Somos um país racista e preconceituoso, só que o humor, na sua completude, lida com as mazelas, com as imperfeições do mundo. E você tem duas ou três formas de observar isso. Ou você pode potencializar isso e continuar propagando essa ideia. Ou você pode usar o humor para questionar isso”, afirma.
Leia a entrevista na íntegra e veja mais sobre a oficina no vídeo abaixo.
Usina de Valores: Na sua opinião, o humor tem limite?
Patrick Sonata: Debate-se muito a ideia do limite do humor. Para mim o humor não tem limite, o humor é humor, mas se debate muito o limite do humor por conta da existência de piadas misóginas, racistas, homofóbicas. Só que eu não acredito nessa ideia de “piada racista”, eu acredito em pessoas racistas. A pessoa que é racista conta uma piada racista. Não consigo fazer um descolamento da pessoa com a piada. Assim como tudo, né? Se você é um humorista, essa é a sua profissão. Se for um bombeiro…um bombeiro racista vai deixar as ações dele refletirem quem ele é. Então, para mim, quando um cara conta uma piada racista, ele é racista. Então não tem essa coisa “Ah, mas é só uma piada”. Não.
UV: Na oficina você diz que é preciso ter cuidado no humor. O que você quer dizer?
Patrick Sonata: A ideia do cuidado é porque a gente sabe o que o nosso país é. Somos um país racista e preconceituoso, só que o humor, na sua completude, lida com as mazelas, com as imperfeições do mundo. E você tem duas formas de observar isso. Ou você pode potencializar isso e continuar propagando essa ideia. Ou você pode usar o humor para questionar isso. A ideia de que o humor é feito somente para rir é um ironia, né? Porque o humor lida diretamente com a tragédia. Quando você cai, por exemplo, tem duas coisas que podem acontecer: se você morrer, é uma tragédia. Se você só cai, as pessoas riem. Então a gente pode contar um milhão de piadas, né? Só que assim: não é só rir. Você está lidando com verdades.
UV: E como lidar com essa dicotomia?
Patrick Sonata: É muito difícil lidar com a ironia no Brasil porque a gente tá lidando com a verdade. Então se eu faço uma piada do tipo: “daqui a pouco vai sair um tiroteio” ou “daqui a pouco uma mulher vai morrer”, isso pode acontecer. Então o maior problema no Brasil não é a piada e o humor em si, são as questões sociais. O humor, se não andar lado a lado com a sociedade e não dialogar com o que está acontecendo com o seu tempo, é “piada” pura e simples. E são piadas que podem ferir, que podem deixar marcas ruins. O riso é muito potente, para o bem e para o mal.
UV: Como você aplica isso no seu dia a dia profissional ?
Patrick Sonata: Esse limite eu coloco para mim, eu estou pensando no outro, né? Porque eu sou preto e sei o que uma piada racista causa em mim. Eu também sou pobre, favelado. Então eu sei o que uma piada sobre pobres pode causar. Mas é óbvio que eu não sei o que uma piada machista causa, por exemplo. A gente cresceu ouvindo piadas nesse contexto, com essa ideia, propagando ideias sobre preto, pobre e favelado. Agora é a nossa vez de contar o nosso tipo de piada e potencializar aquilo que as pessoas nunca enxergaram. Quem sempre contou piada no Brasil foram os brancos. O Chico Anysio mesmo, que era um grande ídolo da comédia, talvez o maior comediante do Brasil, era racista. “Ah Patrick, mas eram piadas”….eu não acredito nisso, eu acredito nele. Monteiro Lobato também. Então o entretenimento, o teatro e o riso sempre tiveram a gente como foco da piada e não como os fazedores da piada.
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