Operação no Rio: mortes e milhares de vidas impactadas na zona norte da cidade

Desde o dia 16 de agosto, as favelas que integram o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, têm sido o alvo de uma operação ligada à intervenção federal no estado.

Segundo informações da Agência Brasil, na madrugada da última quinta-feira (16), algumas das regiões foram ocupadas por cerca de 250 integrantes do exército, da polícia militar e dezenas de policiais civis. A ação aconteceu após supostas denúncias de tráfico de drogas e outros crimes, mas o balanço não foi divulgado.

Na madrugada de segunda-feira (20) a cena se repetiu. As favelas do Alemão, Maré e Penha acordaram cercadas por mais de 4,2 mil militares das Forças Armadas e 70 policiais civis. A polícia militar também auxiliou, mas os números não foram informados. Nesta operação, 13 pessoas foram mortas, incluindo dois militares do exército.

Comércios e escolas não abriram, alterando completamente a rotina dos locais. Nas redes sociais, moradores e moradoras relataram situações de violência como, por exemplo, invasão forçada a domicílio sem mandado judicial, crianças tendo suas mochilas de escola revistada por homens do exército, celulares de moradores sendo averiguados, também sem mandado ou autorização.

https://www.facebook.com/euraullsantiago/photos/a.440485123084151/489776428155020/

Raull Santiago, jornalista e ativista, é morador do Complexo do Alemão e um dos integrantes de um coletivo Papo Reto, parceiro do projeto Usina de Valores, liderado pelo Instituto Vladimir Herzog. Ele usou sua página no Facebook para registrar o que ele viu e viveu nesses dias, além de compartilhar denúncias recebidas pelo coletivo.

As publicações começaram no início da madrugada de segunda-feira (20), por volta das 01:01. Raul contou que moradores e moradoras da favela da Maré observaram a chegada do exército. Às 4h da manhã ele relatou ter visto helicópteros sobrevoando o Complexo do Alemão, assim como carros das Forças Armadas.

“Começou às 4h da manhã”, relatou em um texto publicado na parte da tarde de segunda-feira. E continuou:

“Eu saindo de casa, vi a vizinha idosa saindo e avisei: ‘o exército está entrando na favela’.
Ela já quase chorando diz: ‘ai meu Deus, de novo não. Você vai descer agora? Posso ir com você? Eu preciso chegar no trabalho, tomara que esteja passando ônibus, pois eu tenho que estar as 5h25 no Centro‘. Ela só queria não se atrasar, para não perder o lugar onde ela tira o pouco que vira o todo do lar. Tem noção disso?
É óbvio que a pessoa tem medo. Ela poderia dizer que não ia descer, até porque lá na pista, quando saímos do beco haviam uns 20 fuzis apontados para nós. Mas descemos, eu e ela tremendo. Cada um tendo que fazer escolhas menos piores, ou que interfiram menos em sua vida já difícil”, escreveu.

No mesmo texto, Raull diz parecer que “a maioria só observa”, destacando a importância da sociedade como um todo se levantar contra o que não só as favelas do Complexo do Alemão estão vivendo, mas todas as áreas periféricas do Rio de Janeiro. “Eu não tenho medo de polícia, exército, operações e etc. Eu tenho medo de vocês, que ficam em silêncio, quando poderiam e deveriam gritar”.

Em nota, o coletivo Papo Reto se manifestou com indignação contra a operação e cobrou a atuação de organizações que lutam pelos direitos humanos.

https://www.facebook.com/ColetivoPapoReto/posts/1702595313200374?__xts__[0]=68.ARDXSL5Ha_uTj_Q0mE2xA3IEM_CAx2e4Rt_i7lMrOD9jpAp17qmxl3dZg2ldSZiLIGRztnQpRvv51yEIc05guJ5xKHv3F9jC1oxgNrRKfW2H61BcGhZgOiNtQny-ZpeAk9OsOQpXBgzX&__tn__=H-R

“Nós do Coletivo Papo Reto exigimos um posicionamento imediato Anistia Internacional Brasil, do Marcelo Freixo e da Comissão de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, de outros órgãos públicos do campo dos Direitos Humanos e de toda a sociedade que sabe que esse tipo de atitude jamais construirá mudanças positivas na realidade da nossa cidade. Pelo contrário, alimenta ainda mais o caos!”

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, afirmou em nota publica na página de Facebook da organização que “as autoridades devem agir para garantir uma investigação imediata, independente, imparcial e minuciosa das mortes decorrentes das operações policiais que ocorreram no Rio de Janeiro nesta segunda-feira (20)”.

O Comunicado reforça ainda que a letalidade das operações policiais aumentou muito durante o período da intervenção federal e é extremamente preocupante que essas mortes não estejam sendo investigadas.

De acordo com informações da plataforma Onde Tem Tiroteio (OTT), a última segunda-feira (20) registrou o maior número de tiroteios em um único dia no ano de 2018 no Rio de Janeiro: foram 43 casos em todo o estado.

Dados do aplicativo Fogo Cruzado, desde o início da intervenção federal no Rio, em fevereiro, já foram registrados cinco mil tiroteios na região metropolitana, o que significa um aumento de 61% comparado ao ano anterior.

Ocupação de espaço cultural 

Também na segunda-feira, 20 de agosto, o Observatório de Favelas  emitiu uma nota alertando que, durante a madrugada da segunda-feira, por volta das 5h20 da manhã, um grupo de militares do exército ocupou a Arena Carioca Carlos Roberto de Oliveira – Dicró, equipamento público de cultura que é o cogerido pelo Observatório há seis anos junto à Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.

Segundo a nota, parte da tropa mobilizada pela operação nos Conjuntos de Favelas da Penha, Alemão e Maré foram ao local sem aviso prévio ou qualquer documento em mãos que justificasse esta ação.

“Apesar da ausência de qualquer documentação, o espaço foi ocupado pelo Exército de forma arbitrária e indevida, sugerindo o cancelamento de nossas atividades internas e com o público”.  Clique aqui para ler a nota na íntegra

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