Jovens ativistas do Ibura concluem processo de educação popular mobilizados por seu território
“Eu não sou eu, eu sou nós e nós somos o poder”
O verso recitado pelos jovens João Miguel Freitas, o Jotta, e Bruno Silva abriu o cine-debate do filme “Águas que arrebentam”, produzido por jovens ativistas do Ibura para denunciar o racismo ambiental no bairro do Recife (PE). Era uma noite de sexta-feira, 29/11, quando o grupo concluía o percurso formativo da metodologia Usina de Valores com o evento oferecido por eles à sua comunidade, no Centro Comunitário da Paz (Compaz) Professor Paulo Freire.
“Chegou o dia! Exibir nosso filme é um marco, é rever todo nosso processo de cinco meses trabalhando, discutindo, escolhendo o tema”, contou Nátaly Nascimento, uma das participantes do grupo. A escolha por tematizar os efeitos das mudanças climáticas no Ibura e produzir um curta-metragem aconteceu ao longo do processo formativo do Instituto Vladimir Herzog, realizado no Recife em parceria com o Massapê. Ficou evidente para o grupo a presença deste tema na vida do Ibura, que historicamente sofre com deslizamentos, foi muito afetado pelas chuvas de 2022 e ainda possui parte das moradias em áreas de risco.
Secretário Municipal de Juventude do Recife, Marcone Ribeiro durante o Lançamento “Águas que Arrebentam” créditos do registro fotográfico: Bruno Carvalho (@passosdebruno), Laiany Silva e Evellyn Cavancanti (@evellynn_xs).
Depois da exibição do filme, a roda de conversa sobre juventudes e direitos humanos contou com outros jovens engajados da cidade, como Dálethe Melissa, do Fórum Popular do Rio Tejipió, Victor Moura, da Rede Beberibe, e Bruno Silva, do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (Nuca Ibura), além do secretário municipal de Juventude do Recife, Marcone Ribeiro. As participações evidenciaram como os efeitos das mudanças climáticas atingem diversos territórios periféricos da cidade e levam a juventude a se engajar por soluções coletivas.
Coletividade esta vivenciada e valorizada ao longo de todo o percurso da Usina de Valores, uma metodologia de educação popular em direitos humanos do Instituto Vladimir Herzog. No encerramento com cinedebate não foi diferente. Cada participante teve sua contribuição no evento, seja na produção, na apresentação, na cobertura fotográfica.
“O projeto me fez ver que tem uma galera jovem que se importa em cuidar daqui também”, comenta Miguel Pinheiro, que produziu a arte do cartaz do filme. Nascido no Ibura, o artista de 18 anos comenta: “Aqui a gente tem um monte de coisas, sabe? A gente tem poeta, a gente tem artista, como eu, a gente tem capoeirista. E todo mundo aqui teve oportunidade de mostrar seu talento”.
Para Jotta, que, além de rimas, fez o papel do protagonista no filme coletivo e integrou a roda de conversa, o pertencimento a essa coletividade e a convivência democrática com o grupo abriram novos horizontes: “Incentivou a gente a ser realmente novos líderes e, quando fazemos isso, incentivamos novos jovens a serem protagonistas também. Isso eu acho muito bonito da Usina”. Ele complementa:
Jotta- Lançamento “Águas que Arrebentam” créditos do registro fotográfico: Bruno Carvalho (@passosdebruno), Laiany Silva e Evellyn Cavancanti (@evellynn_xs).
“Agora eu me sinto capaz, tá ligado? Eu tenho o direito de conhecimento, eu tenho o direito de acesso à informação, eu tenho o direito de mudar a minha realidade e a realidade de outras pessoas”.
Natály também destaca o quanto a coletividade impactou sua visão sobre o bairro: “Antes eu vivia só no meu mundinho, sabe? Agora vejo que o Ibura é muito grande e teve toda uma construção de relação entre a gente”.
Ao fechar a noite de estreia, Renata Aquino, coordenadora de educação popular do Instituto Vladimir Herzog, celebrou o processo formativo no Ibura, realizado em parceria com o Massapê. “Quando esses meninos e meninas dizem que se reconhecem como sujeitos de direito, como pertencentes a esse grupo, isso é o que dá sentido para a Usina de Valores, enquanto metodologia de educação popular em direitos humanos. É muito bonito ver isso acontecendo aqui no Compaz que leva o nome de Paulo Freire”.
Lançamento “Águas que Arrebentam” créditos do registro fotográfico: Bruno Carvalho (@passosdebruno), Laiany Silva e Evellyn Cavancanti (@evellynn_xs).
Recife é um dos 21 territórios onde atualmente são realizados processos formativos por meio metodologia Usina de Valores, uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog que busca fortalecer os valores de direitos humanos e formar agentes de transformação em suas comunidades.
Lançamento “Águas que Arrebentam” créditos do registro fotográfico: Bruno Carvalho (@passosdebruno), Laiany Silva e Evellyn Cavancanti (@evellynn_xs).
O que dizem alguns dos/as participantes da Usina de Valores em Recife:
“De aprendizado, ficou que é importante a gente lutar, não só pelo meu, mas pelo direito de todos aqui do bairro, sabe? O filme que a gente fez foi justamente pra isso.”
Miguel Pinheiro, participante da Usina de Valores no Recife e artista do cartaz do filme “Águas que arrebentam”
“Desde pequeno, eu sou ensinado que direitos humanos só serve pra defender bandido, todo esse discurso. Depois eu vi que direitos humanos é uma coisa essencial pra gente viver bem, tá ligado? Então, acho que essa luta que a gente tá fazendo agora, todas essas movimentações, também ajudam a abrir a mente do pessoal em relação aos direitos humanos. Se a gente não correr atrás dos direitos, vai ficar reprimido pra sempre.”
João Miguel Freitas, participante da Usina de Valores no Recife e protagonista do filme “Águas que arrebentam”
“No início, nosso grupo era uma bagunça. Tinha grupinho do norte, sul, leste, oeste. Depois todo mundo foi se juntando e trabalhando o direito do outro falar, depois discutir, de uma maneira saudável. Agora eu sei me posicionar, além de escutar outras pessoas”
Nátaly Nascimento, participante da Usina de Valores no Recife e coautora do filme coletivo “Águas que arrebentam”