Jovens do Ibura denunciam racismo ambiental em curta-metragem desenvolvido no percurso da Usina de Valores
“Águas que arrebentam” busca sensibilizar a comunidade e pressionar o poder público através da demonstração da luta por dignidade e sobrevivência no bairro de Recife (PE)
Por: Karen Ramos
Jovens de Recife, Pernambuco, produziram um curta-metragem coletivo que aborda os efeitos do racismo ambiental no bairro do Ibura. A produção foi desenvolvida neste território durante o percurso da Usina de Valores, metodologia de educação popular em direitos humanos do Instituto Vladimir Herzog. Intitulado “Águas que Arrebentam”, o curta será apresentado com cine-debate em oficina de mobilização da Usina de Valores, momento da formação em que participantes convidam a comunidade a se integrar ao grupo. O evento de lançamento será no dia 29 de novembro, sexta-feira, das 18h às 21h30 no Compaz Paulo Freire (Ladeira da Cohab, 10 – COHAB, Recife – PE, 51290-583).
A ideia da criação de um filme com esse tema é resultado dos encontros formativos com 32 jovens ativistas que vêm sendo realizados desde junho de 2024 pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com o Massapê. Ao longo do percurso, foi proposto que o grupo identificasse potencialidades e vulnerabilidades de seu território para que, na sequência, pudesse criar estratégias de mobilização coletiva em torno da problemática principal escolhida por eles/as.
“Ao explorar o que já existe no território, o grupo passou a entender melhor os desafios e as possibilidades locais, além de fortalecer uma percepção coletiva sobre a realidade do Ibura. Isso nos ajudou a identificar oportunidades de ação para a comunidade”, afirma Bela Neves, educadora territorial do Instituto Vladimir Herzog que conduziu todo o processo de educação em direitos humanos.
A metodologia Usina de Valores alinha-se ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), que orienta ações para “disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as em conquistas”.
Racismo ambiental no Ibura, tema escolhido coletivamente
A problemática prioritária identificada pelos/as jovens do Ibura relaciona-se à realidade do bairro, sobre a qual eles/as se debruçaram juntos/as: fortemente afetado pelas chuvas de 2022, com numerosas perdas humanas e materiais relatadas por diversos participantes, o Ibura possui desafios históricos de ocupação desordenada e falta de infraestrutura.
Nos primeiros encontros da Usina de Valores, uma série de problemas foi identificada pelo grupo com base em suas vivências cotidianas através de mapeamentos afetivos, levantamentos e rodas de conversa. Estavam entre eles os riscos a que são expostos diante de chuvas, que compartilharam com lembranças muito dolorosas. Por meio de votação participativa, o grupo entendeu como pauta central em seu território a discussão acerca das mudanças climáticas, envolvendo moradias inseguras, drenagem insuficiente, falta de conscientização ambiental, racismo ambiental no planejamento urbano.
O tema passou a ser aprofundado nos encontros seguintes e um compromisso coletivo foi firmado pelo engajamento comunitário nesta questão. Este é um ponto central do percurso, em que o grupo reconhece não se tratar apenas de um problema na história pessoal de cada um/a, e sim uma questão coletiva.
Segundo aprofundamento feito pelo grupo a partir de então, o Ibura é local de ‘deslocados internos em razão das mudanças climáticas’ desde a migração de pessoas impactadas por desastres no século 20, como uma cheia em 1966, o que resultou na ocupação de áreas mais altas. A vulnerabilidade persiste, devido à ausência de planejamento territorial e de acesso a direitos básicos, afetando mais famílias de baixa renda, mulheres, crianças e idosos.
Com habilidade, o grupo nota que o trauma das enchentes ainda ecoa, que suas causas não são apenas naturais e que se trata de um problema coletivo a ser enfrentado pela comunidade. “Cada chuva forte traz de volta o medo das perdas irreparáveis e evidencia a falta de respostas do poder público”, afirmam os/as jovens em carta compromisso assinada por todos/as.
Mobilização por meio do audiovisual
Para mobilizar sua comunidade em torno do tema escolhido, como propõe a metodologia Usina de Valores, o grupo de jovens ativistas do Ibura decidiu produzir um filme. Com roteiro, direção e produção desenvolvidos pelos/as próprios/as jovens, o curta representa situações experimentadas pelos/as moradores/a no intuito de desnaturalizar vivências do cotidiano.
Por meio da produção audiovisual e de debates, o grupo espera pressionar o poder público e mobilizar a comunidade em torno da exigência de ações concretas de planejamento urbano, melhorias na infraestrutura e preservação ambiental.
A educadora Bela Neves destaca que a produção é resultado de um processo que valorizou o compartilhamento e a escuta ativa das experiências e conhecimentos do grupo: “Isso faz com que todo compartilhamento seja legítimo e merecido de ser escutado atentamente, pois o aprendizado vem do diálogo e do ambiente de respeito”.
Segundo ela, estas vivências ao longo do processo contribuíram para que participantes compreendessem as violações que os/as atravessam coletivamente, acendendo um sentimento de corresponsabilidade e engajamento político, que é o objetivo da metodologia Usina de Valores.