Lutas antirracistas e feministas por uma sociedade mais igualitária

Por Lindinalva de Paula

Pensar nas lutas antirracistas é pensar nas movimentações históricas de negros e negras que nunca aceitaram passivamente o sistema escravocrata, que durante séculos foi a base socioeconômica da nação. O Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir oficialmente a escravatura. A Lei Áurea promoveu a liberdade dos escravizados e escravizadas, mas não lhe garantiu nenhum dos direitos básicos para se viver, como acesso, à trabalho, à moradia e à terra ou outros meios que pudessem permitir exercer uma vida digna

Negros e negras sempre se articularam e criaram estratégias para combater o sistema escravista, onde existia senzalas, existiam quilombos. A luta tem início nos navios negreiros, quando negros e negras se atiravam ao mar, preferiam a morte do que a escravidão, quando se articulavam nas fazendas, organizando fugas em massa. Os quilombos, além de local para os escravos fugidos, eram, para muitos, a primeira experiência de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Os locais acolhiam os negros fugitivos, os índios e os brancos pobres.

Em todo período colonial brasileiro, a luta antirracista se faz presente para além dos quilombos, elas se manifestam nas revoltas e rebeliões. No final do século XIX, negros e negras começam a construir outras estratégias para enfrentar o racismo, surgi as primeiras organizações institucionalizadas da luta antirracistas no Brasil, que são as Irmandades. Organizações de homens, a princípios libertos, que tinha como objetivo principal comprar alforrias e libertar mais negros e negras.

Neste período também, surgi em 1820 a primeira organização de mulheres negras da América Latina, a Irmandade da Boa Morte, na Igreja da Barroquinha, em Salvador, atualmente a irmandade encontra-se instalada na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano.  

A luta antirracista é contra privilégios, contra a desigualdades. É contra uma estrutura de sociedade violenta, desumana e separatista. O comportamento racista não é uma deformação de ordem moral, mas uma estrutura que sustenta determinados privilégios, mesmo entre classes subalternas. Um país cuja formação e construção foi marcada pelo sistema escravagista que destrói a população indígena e escraviza por mais de 300 anos negras e negras, só irá conseguir resolver suas questões, quando se conscientizar que o racismo foi o que estruturou a nossa nação.

Assim como a luta antirracista visa debater as desigualdades histórias entre negros e brancos no Brasil. A luta feminista pauta a garantia dos direitos das mulheres e tem como finalidade descontruir o sistema patriarcal, o sexismo, o machismo e todas as formas de violência e opressões que estão submetidas as mulheres e em especialmente as mulheres negras, que carregam e que sofrem as violências por raça, gênero e classe.  

Para as feministas negras, as narrativas de luta são vistas pelo cunho da interseccionalidade, onde as pautas de gênero, raça e classe se cruzam. Configurando um tripé de opressões. Vivemos, desde o Brasil Colônia (1500-1822), uma cultura enraizada de repressão, violências e estupros marcadas pelo racismo e patriarcado que atingiam e atingem as mulheres negras. Lutar por uma sociedade justa e igualitária menos violenta e mais humana, é lutar por educação digna e de qualidade, saúde pública humanizada, por moradia, na defesa dos territórios tradicionais e quilombolas, pela vida da juventude negra e outras pautas semelhantes.

Os movimentos contemporâneos antirracista e feminista apresentam novas narrativas e bandeiras de lutas, eles incorporam outras pautas como as LGBTQIA+, racismo religioso, racismo institucional, genocídio da juventude negra, mulheres em situação de rua, em ocupações e cárcere privado, violência obstétrica, mortalidade maternal, exploração sexual, tráfico de crianças e adolescente e entre outros. Utilizando como estratégia enfrentamento, os projetos sociais têm conseguido formar novas lideranças e pautar estas agendas nas comunidades periféricas, atingindo assim uma população que estão em situação de vulnerabilidade social.

De um lado, o movimento negro protagonizado por organizações políticas como o Movimento Negro Unificado – MNU, a Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN, a União de Negros Por Igualdade – UNEGRO e associações culturais como o Ilê Aiyê, o Olodum, dentre outros que atuam em várias frentes de pautas sócio-político-cultural em busca da construção de novas narrativas para a população negra. O surgimento destas organizações, possibilitou a proliferação de ideais e pautas antirracistas no país. De outro lado, representado uma agenda feminista de enfrentamento ao avanço do fascismo e a perca de direitos já conquistado, as mulheres protagonizam suas lideranças em organizações como: Articulação Nacional de Mulheres Negras Brasileira – ANMNB; União Brasileira de Mulheres – UBM; Fórum Nacional de Mulheres Negras – FNMN; Articulação Nacional Jovens Negras Feministas e Marcha Mundial das Mulheres. Construindo, no país, articulações históricas. Como a Marcha das Margaridas, a Marcha Nacional das Mulheres Negras e a mais recente #EleNão.

O avanço de articulações e mobilizações destes movimentos sociais perpassa pelo crescimento de ações sociais de formação e capacitação com temas transversais como raça/etnia, cidadania, direitos humanos, violência contra as mulheres, meio ambiente e outras narrativas. Iniciativas de projetos sociais como os Quilombos Educacionais, que são pré-vestibulares, para jovens afrodescendentes das comunidades periféricas, em destaque o Instituto Steve Biko, pioneiro na Bahia, que tem como objetivo encaminhar jovens negros e negras para o ensino superior, o projeto Axé, que busca resgatar jovens moradores em situação de rua e faz a ressocialização através da música, dança e teatro inserindo-os no mercado de trabalho.

Estes e outros projetos existentes, se somam a Usina de Valores, que, acreditando na força da juventude baiana, desenvolvem atividades sociais-culturais no Espaço dos Alagados. Projeto que pretende pautar, junto aos jovens, a atual conjuntura como os desmontes das políticas públicas, o avanço do conservadorismo e do fascismo. Com a proposta de garantir valores ligados a cultura dos direitos humanos, na garantia de uma sociedade que proporcione o bem viver de todos e todas.

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