O Usina de Valores chega em Salvador, capital da resistência

Por Ícaro Jorge

Defender a democracia, os direitos dos trabalhadores e a existência da diversidade em tempos de ódio e muitos confrontos, é resistência. E é nesse contexto que o projeto Usina de Valores assume a linha de frente na defesa de valores que promovam uma cultura de direitos humanos.

Coexistir na Diferença, Bem Viver, Dignidade Humana, Engajamento Político e Escuta Ativa são valores básicos para a harmonia, diálogo e respeito em sociedade. É partindo disso, que foi arquitetado o projeto nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. E como diz aquele ditado esportivo, “em time que está ganhando não se mexe”. Mas, assim como numa árvore, as sementes do Usina de Valores cresceram e se transformaram numa imensidão de galhos para toda a população colher muitos frutos.

E é nessa imensidão de galhos que chegamos à Salvador, cidade mais negra fora de África e que se constrói por muitos braços e abraços de resistência. Foi essa cidade que se tornou linha de frente contra o processo escravagista e racista, somando com as revoluções do Atlântico Negro, que em 1835 se rebelou contra a estrutura branca e patriarcal, a partir da Revolta dos Malês.

Cidade do canto e dos encantos, o axé aqui não só move nossos corpos, mas os transformam em movimento constante. Se a história nos remete a luta, a cultura nos remete a vida. Salvador é a cidade do carnaval, do molejo contente que acalenta o coração dos afortunados e movimenta os corpos dos poucos enxergados.

É terra dos reis e rainhas do axé, do arrocha, cenário da guitarra elétrica, mas nada romântica. Aqui, a vida é dura e direitos precisam ser defendidos constantemente.

Infelizmente, por um processo estrutural de colonização, a cidade dos encantos, também é a cidade do desalento. Se por um lado a resistência forja as nossas existências, para a população soteropolitana, na qual me enquadro, a existência suplica resistência.

Foto: Arquivo pessoal de Ícaro Jorge

É uma cidade com alto índice de desemprego. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a capital baiana tem um número de 20,4% das pessoas sem emprego, sendo a capital com o maior índice de desemprego do país.

Esse desemprego é o que fortalece a desigualdade social. As imagens lindas de Salvador, das praias exuberantes, das grandes orlas, rapidamente são contrastadas com a fome, o genocídio da população negra e a falta de oportunidades.

A disputa pelo combate ao racismo em Salvador é a possibilidade de continuarmos vivendo. Mesmo a população negra sendo a maioria na cidade, nas universidades negros não são maioria. Por outro lado, na Penitenciaria Lemos Brito, que é o complexo que tem serviço em Salvador, a grande maioria encarcerada é de negras e negros, isso é fruto do racismo.

O fato de sermos a cidade mais negra fora de África não exclui a realidade da estrutura racista existente no Brasil. O encarceramento em massa da população negra visa assassinar as nossas narrativas e possibilidades de existência material e subjetiva. Em Salvador, independente da cidade alta ou cidade baixa, a discussão que prevalece é “para quantos é essa cidade?”. E é nessa discussão que o Usina de Valores buscará se aprofundar.  

O Bem Viver e a vida com Dignidade precisam ser traduzidos em combate as desigualdades, racismo e machismo. É articulando com os mais diversos coletivos e organizações, sejam eles de juventude, mulheres, LGBTs, negras e negros, artísticas, de empreendedores, de mães. O importante é articular em coletivo as saídas para um futuro em que os valores dos direitos humanos sejam centrais para todas as nossas vidas.

*Ícaro Jorge é comunicador, ativista e articulador do Usina de Valores em Salvador

2 comentários

  1. Ana Rosa Abreu em 23 de janeiro de 2019 às 20:52

    Fiquei emocionada! Bahia estreando!!

  2. Adson de Aguiar em 4 de fevereiro de 2019 às 21:55

    Parabéns pelo texto Jorge! Infelizmente essas são a nossa realidade nua e crua, o racismos é uma realidade. Ainda que tentam maquear não conseguem esconder pois os números as evidências elencadas no texto denuncia isso.

    Vamos fazer a nossa partes e deixarmos de ser meros espectadores enquanto a nossa gente morre a olhos nu.

    Que Deus nos ajude!

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