Valores para a democracia e para combater os discursos de ódio

Por Débora Britto da Marco Zero Conteúdo

No último sábado (14), o projeto Usina de Valores realizou sua primeira ação no Recife. Em frente à Ocupação Marielle Franco, em praça pública no centro do Recife, diversas pessoas puderam escutar e participar do debate sobre cultura de direitos humanos versus discursos de ódio.

“Os direitos humanos começam quando existe um outro, quando existe escuta, e quando há pré-disposição e disposição para se transformar a partir de um outro. O discurso de ódio é justamente o contrário”, explica Lucas Paolo Vilalta, coordenador de articulação territorial do Instituto Vladimir Herzog – entidade idealizadora do projeto.

Segundo Lucas explica, o projeto nasce da compreensão de que uma cultura individualista que leva pessoas a responderem de forma impensada, automática, sem considerar outras como portadoras de direitos, é prejudicial à democracia e ao bem-estar da sociedade.

É preciso, então, promover o afeto para enfrentar os discursos de ódio. Para isso, explica que a escuta ativa é uma das ações para estabelecer o diálogo. “Quando tem afeto, que foi o que a gente viu aqui na Praça do Diario, cheia de gente querendo se escutar, se transformar, sentir com o outro é, promover diálogo”.

Nesse sentido, o debate teve a participação de Ailce Moreira, do movimento PE de Paz e da Frente de Evangélicas e Evangélicos pelo Estado de Direito, de Lilian Conceição, reverenda da Igreja Anglicana e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, e Maria Clara Araújo, afro transfeminista e estudante de pedagogia da UFPE. A mediação foi realizada por Rud Rafael, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e educador do projeto.

Partindo de diferentes lugares de fala, as convidadas chegaram a uma mesma orientação para combater o discurso de ódio: não silenciar diante de injustiças e não se colocar à parte das violências que minorias políticas sofrem todos os dias.

“A gente não pode passar pelas injustiças de forma passiva ou naturalizar o que temos sofrido. Mas precisamos falar sobre isso sem incitar outros discursos de ódio. Como podemos pensar formas pedagógicas de falar a coisa certa e sermos ouvidos?”, provocou Ailce, que tem refletido sobre como criar pontes de diálogo dentro da igreja evangélica e evitar o acirramento dos debates.

Para Lilian é possível viver experiências de valorização de direitos humanos e combater o discurso de ódio. Como exemplo, ela trouxe o acúmulo vivido na Rede de Mulheres Negras e do feminismo negro, que “afirma a humanidade de nós mulheres negras e de todas as mulheres”.

Segundo ela, independentemente do termo utilizado – se irmandade ou sororidade, para fazer referência à união de mulheres em defesa de si mesmas e de seus direitos – as mulheres cultivam a capacidade de se reconhecerem nas diferenças e aprenderem a conviver como pessoas irmãs. “Não aceitamos a banalização desse mal que é o feminicídio, por exemplo, que acontece principalmente com mulheres negras”, disse.

Maria Clara Araújo, como ela mesma fez questão de dizer, teve talvez a primeira experiência de fala pública em um espaço que é marcado pela violência ou degradação de travestis e mulheres trans. Em sua participação, ela questionou quantas pessoas presentes ao debate conviveram com uma travesti na vida. “Como falar sobre dignidade se estamos na base da sociedade brasileira? Como são as relações que as travestis estão construindo na sociedade brasileira?”, provocou.

Para ela, apenas o fato de existir e quebrar com o “destino” de uma travesti é um ato político. Maria Clara defende que é preciso negritar a importância de criar espaços na sociedade para as mulheres trans e reescrever os discursos que constroem preconceitos e, como resultado, ações movidas pelo ódio. Não é possível ignorar que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.

“Historicamente as narrativas das travestis não estiveram nas nossas mãos. Então existe a necessidade de pontuar quando uma travesti chega a lugares que nunca estivemos. Só é possível idealizarmos uma nova sociedade quando nós construirmos lugares para as travestis. Se fizermos isso com as travestis nos mesmos lugares nós falharemos”.

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