Patrícia Santana

Comunicação como resistência da quebrada

Por Patrícia Santana

“Eles querem que alguém
Que vem de onde nóiz vem
Seja mais humilde, abaixe a cabeça
Nunca revide, finja que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se (…)”
(EMICIDA, 2015)

Falar de resistência e comunicação em uma mesma frase é refletir diretamente sobre o sistema e como as periferias são vistas e tratadas por ele. A visão estigmatizada e reducionista dos moradores dessas comunidades é enraizada em todos os espaços da sociedade como manutenção e permanência do sistema hegemônico e do modelo civilizatório vigente.

Estas percepções simplistas e de classificações hierárquicas das periferias em relação aos outros territórios da cidade leva a uma concepção de fragilização, aprofundando a desumanização desses grupos sociais.

A disseminação dos discursos de depreciação dessa população constrói o imaginário de que esses espaços são carentes, pobres, violentos, criando rótulos negativos dessas pessoas marcadas como contrárias aos padrões normativos e aos regimes estéticos soberanos. Dito isso, precisamos visitar alguns conceitos para construirmos uma comunicação plural, diversa, representativa e da quebrada. Ou seja, precisamos construir narrativas antirracista, feministas e contra-hegemônicas, que tenham a população periférica como protagonista da sua historia, promovendo a equidade racial e de gênero, criando representatividade e trazendo a tona a potência das comunidades periféricas.

A comunicação, como bem afirma Martin-Barbero (1997), é uma questão de culturas, de sujeitos e não só de aparatos e estruturas; é uma questão de produção, e não só de reprodução. É importante dizer que a periferia é um espaço de múltiplas existências, com um potencial criativo e inovador, ou seja, para resistir a comunidade traça estratégias que trabalham pluralidade e a diversidade em sua totalidade e essas vivências divergem diretamente do processo hegemônico e dos padrões etnocêntricos. 

Segundo Antônio Gramsci (2002), filósofo italiano, a hegemonia é obtida e consolidada em embates que comportam não apenas questões vinculadas à estrutura econômica e à organização política, mas envolvem também, no plano ético-cultural, a expressão de saberes, práticas, modos de representação e modelos de autoridade que querem legitimar-se e universalizar-se.

Na comunicação não é diferente. A construção de narrativas que desumanizam e desqualificam as comunidades da favela estão presentes em todos os discursos construídos pela mídia tradicional.

Distinguir a comunicação como mecanismo de poder que propaga valores é o primeiro passo para iniciarmos uma mudança dos discursos e narrativas difundidas por ela. Romper esse ciclo só será possível se incentivarmos e garantirmos pluralidade, diversidade e a representatividade na comunicação.

Lutar pela livre circulação de informações, através da democratização dos meios de comunicação de massa depende, principalmente, do trabalho em rede, da atuação política dos segmentos sociais organizados e da construção de novas narrativas que desconstruam os valores que a sociedade brasileira impõe sobre os territórios populares.

Custódio (2016) aponta que, no Brasil, a comunicação comunitária tem características políticas diversas. Em alguns casos, essas lutas são contra representações negativas na grande mídia. Pense nas favelas, por exemplo. Muitos moradores se sentem estigmatizados e criminalizados na mídia.

Às vezes aparecem como os “pobres que se matam de trabalhar, mas são felizes”. Outras, como “malandros machistas” ou “negras fogosas”. No noticiário é pior. Moradores de favelas aparecem como autores e vítimas da violência ou como coniventes ou cúmplices de crimes.

A mídia não só contribui para a perpetuação desses preconceitos, mas os reforça e legitima. Por isso, contestar-los ao fazer mídia de forma diferente é uma ação política. A presença da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais nesses espaços é fundamental para oportunizar as potências existentes.

Enxergar as ações oriundas da periferia como mecanismos de disputa do imaginário social e das narrativas hegemônicas deve ser prioridade na contemporaneidade, debater comunicação nesses espaços como forma de transformação é essencial na estruturação de uma sociedade justa e igualitária. 

O educador Paulo Freire pontua que a profundidade da significação do ser cidadão passa pela participação popular, pela “voz”. “A voz é um direito de perguntar, criticar, de sugerir. Ter voz é isso. Ter voz é ser presença crítica na história”, com isso, o incentivo a construção de outras vozes na sociedade, contarmos outras historias e disseminarmos outros valores passa a ser prioridade na constituição de uma mídia comunitária, periférica e independente.

Contestar a mídia tradicional é uma tarefa cotidiana, pois estas narrativas favorecem setores específicos da sociedade e buscam aprovação a ação do Estado. Em suma, potencializar e valorizar essa comunicação tem a ver com a disputa dos espaços hegemônicos; investir nesse espaço é estabelecer uma alternativa de construção de poder da quebrada; dar às moradoras e aos moradores a oportunidade de legitimar o seu território, contar sua história que é negada, garantir o seu direto à cidade e promover a sua humanização.


Referências: 

  • CUSTÓDIO, Leonardo. Favela Media Activism: Political Trajectories of Low- DORNELLES, Beatriz. Divergências Conceituais em Torno da Income Brazilian Youth. Tampere: University of Tampere Press, 2016; Comunicação Popular e Comunitária na América Latina. E-Compós, v. 9, 2007; 
  • PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares: a Participação na Construção da Cidadania. Petrópolis: Editora Vozes, 1998; 
  • MARTÍN-BARBERO, J. Comunicação plural: alteridade e sociabilidadeComunicação & Educação, São Paulo, n. 9, ano III, maio/ago., p. 39-48, 1997.

Deixe um Comentário





7 + seis =