Arte de fundo azul e amarelo, com texto que diz "Exterminar todos os brutos. Por Vladimir Oliveira

Exterminar todos os brutos

Por Vladimir Oliveira

DO THE EVOLUTION*

Algumas histórias começam do início, a nossa começou quando a Igreja Católica, a República, o Estado e o Exército brasileiro apoiaram e efetivaram o extermínio de uma pequena população no interior da Bahia. Começa na Guerra de Canudos (1896-1897) que deixou um legado assustador de 25 mil mortos.

Sim, um dos marcos fundadores da chamada Primeira República ocorreu quando o Exército brasileiro degolou prisioneiros, incluindo mulheres e crianças, e que segundo a elite da época era um câncer monarquista que precisava ser extirpado.

As inúmeras famílias que resistiram às quatro expedições militares, até a queda definitiva do povoado eram na sua maioria formada por sertanejos que peregrinavam pelo sertão baiano a procura de um lugar pra chamar de seu. Liderados por Antônio Conselheiro, foram denominados de fanáticos o que para as autoridades constituídas, poderiam ser eliminados.

A decapitação dos prisioneiros, o calvário dos resistentes dizimados pela fome, sede, doenças e pelos projéteis do Exército atravessaram a nossa história e fazem ecos em outras vítimas, mas sempre alcançando os mesmos corpos: pobres, negros e periféricos.

A solução final adotada pelo Exército brasileiro para gerenciar o conflito político-religioso em Canudos reverbera em outros territórios e se manifesta nas operações policiais que sistematicamente atuam com a mesma metodologia, e que hoje é sustentada pela mesma elite, contando com novos apoiadores: os evangélicos.

Para o cineasta haitiano Raoul Peck, não é o conhecimento que nos falta, mas a coragem de entender o que sabemos e tirar as conclusões. Peck é o responsável pelo documentário, “Exterminar todos os brutos” onde a história do colonialismo e imperalismo (leia-se, dos vencedores) foi pavimentada pela escravidão, pelo holocausto e pelo nazifascismo. Para ele este projeto ainda está em andamento e encontrando pouca ou quase nenhuma resistência por parte dos seus opositores. Tal iniciativa de extermínio contínuo contou com o apoio dos mesmos executores de Canudos, por exemplo, do Massacre do Caldeirão, situado no Crato, Ceará, 1937 ou da Chacina do Jacarezinho, Rio de Janeiro, 2021.

Canudos, Cratos e Jacarézinho possuem o mesmo ethos e são experimentos bem sucedidos de eliminação sistêmica daqueles que não são portadores de nenhum traço de humanidade e dignidade, segundos os seus algozes.

A carne mais barata do mercado é a senha que expõe que nem todos serão atingidos pelo anjo da morte, que visitou os moradores de Canudos, Cratos e Jacarezinho e que não encontrou sangue nos umbrais dos seus casebres/barracos, e que neste exato momento são vitimizados nas favelas e territórios periféricos pelo Brasil afora.

Já que temos tantas informações e dados historicamente comprovados do genocídio de pessoas negras, indígenas e periféricas em nosso país, qual é o caminho que devemos traçar a fim de pararmos com esta barbarie? As informações que chegam até nós a todo instante sobre a formação histórica/social do nosso povo, estão à serviço de quem? Como administramos estes conhecimentos?

Bell Hooks afirmava que o pensamento crítico é sobre descobrir o “quem”,  ou “o que”, o “quando”, o “onde” e o “como” das coisas. Descobrir as inúmeras respostas de perguntas da criança curiosa, e utilizar o conhecimento de modo a sermos capazes de determinar o que é mais importante.

Uma educação em direitos humanos que reforce o conceito da dignidade universal da pessoa humana, é a semeadura que precisa ser realizada, a fim de colhermos uma geração mais sabedora das contradições que atravessam a história do nosso povo. Questionar como as instituições moldam a nossa compreensão sobre as nossas histórias, valores e comportamentos; refletir sobre os lugares de poder que ocupamos, seja no trabalho, nas relações afetivas/sociais e acolher narrativas não tão populares/conhecidas, e que sempre foram esvaziadas do conteúdo/ethos original é parte integrante de uma jornada a produção de sujeitos mais críticos/engajados na construção de uma sociedade mais humana/justa/solidária.


*Canção/Clipe da banda de rock Pearl Jam que retrata a partir das ilustrações de Todd McFarlane, conceitos como civilização, colonização e extermínio.

2 comentários

  1. Leonardo de Paula em 14 de junho de 2022 às 18:05

    De acordo com o texto, percebo que a história da humanidade é cíclica e contínua, e por isso temos visto este movimento imperial e colonial avançar sobre a vidas dos povos latino americanos com roda força.

  2. Gisele Machado em 18 de junho de 2022 às 13:58

    Texto extremamente reflexivo e necessário na atual conjuntura do país.

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