Favela e luta: em tempos de Covid-19, a falta de direitos mínimos segue matando a nossa população

Por Gizele Martins e Fransérgio Goulart

Neste momento, a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) atinge inúmeros países. No Brasil, país considerado uma das grandes economias do mundo, a face da desigualdade social que atinge diretamente a vida daqueles que nunca foram incluídos na garantia de direitos, é ainda mais nítida agora. São mais de 100 anos de favelas, mais de 100 anos resistindo. A luta pelos direitos mínimos na favela é grande e sem qualquer tipo de atenção do governo. Somos nós: sem água, saneamento, alimento, gás, cep, testes, saúde, trabalho, tecnologia e tantos outros direitos básicos. O projeto político do Estado Racista Brasileiro é o da política da ausência nos direitos mais básicos e o da presença com seus aparatos militares, ou seja:

“O Estado promove a morte pela presença e pela ausência.”

Diante disso e convivendo com a extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, somos nós dos territórios favelados, habitados por uma população de maioria negra e oriundas de outras partes do país, sobretudo do nordeste, que estamos criando alternativas para suprir as próprias necessidades. Neste momento, são diversos os coletivos de favelas e periferias que estão lidando e enfrentando uma dura realidade que deveria ser de obrigação do Estado e de seus governantes, mas estes só sabem chegar, lembrar ou falar das favelas em tempos de eleições ou quando nos querem criminalizar. 

Estes mesmos coletivos, têm como foco a produção de conteúdo de comunicação comunitária, dialogando com os seus e de forma que se inclua a realidade local. Pois não basta falar sobre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), é preciso falar que não temos água e que para sobrevivermos,  juntos, precisamos dividir o que temos, assim como devemos denunciar e cobrar ações concretas sobre a histórica falta de abastecimento de água na favela e na periferia. 

E, diante da desigualdade, da fome, estas mesmas organizações comunitárias estão cadastrando os mais vulneráveis da favela e entregando cestas básicas, álcool, máscaras, kits de higiene, água… Também são os mesmos que há décadas vêm denunciando as violações cometidas pelas mídias comerciais, pelas polícias, pelos governos que criminalizam, marginalizam e violentam os nossos corpos, nossas ações, nossa música, cultura e memória. 

É nesse contexto da Pandemia que Organizações de favelas e Movimentos de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado, conseguiram pela primeira vez e, de forma inédita, acessarem o STF (Supremo Tribunal Federal), para processar o estado do RJ por sua política de Segurança Pública de produção da morte, a partir da ADPF 635, popularmente conhecida como ADPF das Favelas. Recentemente conseguimos uma vitória processual, que foi o parecer do ministro Edson Fachin, expedindo a liminar que proíbe Operações policiais durante a pandemia da Covid-19. 

Outro ponto a salientarmos é que esse ano, também estamos mais uma vez produzindo o Julho Negro, que trata de uma Articulação Internacional de luta contra a Militarização, o racismo e  o apartheid. Neste 5° Julho Negro, incorporamos e iremos intercambiar também todas as nossas estratégias de resistências de enfrentamento a Covid-19 com Palestinos, negros e latinos americanos, sul africanos, mexicanos, mapuches…. 

“Se o Estado internacionaliza a dor, nos internacionalizamos as lutas.” 

Assentamentos Palestinos, povo mapuche, negros e latinos americanos… como nós, sofrem com a Covid-19 e todo o processo de Militarização das vidas, por isso a importância de estarmos articulados mundialmente.

É neste momento de pandemia que a nossa situação financeira piora. Outros, sem escolha, necessitam ir trabalhar porque precisam manter seus empregos para sustentar a família. Os ditos governantes ao se referirem à educação pública, sugerem aulas pela internet, sendo que nós população pobre nem comida temos, muitos nem casa tem, quanto mais computador, celular, rede de wifi, energia. A saúde pública há anos vem sendo sucateada com seus funcionários sem salários, outros doentes e até morrendo. 

Ou seja, a luta que já se mostrava difícil, hoje se torna muito pior. Cada direito que não temos coloca a nossa vida em risco, e um risco de vida que não se refere “apenas” a esta doença que vem matando tantos no mundo, no país e nas favelas, é também sobre a fome, sobre o tiro, sobre a casa que não temos, o aluguel vencido, o gás, a fralda da criança, o remédio dos idosos. São muitos os problemas que demonstram cada vez mais que este não é um “vírus democrático”, como relatam alguns pesquisadores. Enfim, continuemos lutando coletivamente em busca da nossa própria sobrevivência. 

“Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui!”

(1) Para saber mais acesse: adpfdasfavelas.org
(2) Para saber mais acesse: instagram.com/julhonegro/ e facebook.com/5julhonegro/

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