Mulheres e Engajamento Político

Por Gabrielle Abreu¹

Você se identifica com os políticos brasileiros quando assiste ao noticiário? Você sabe o que é ser um “agente político”? Você sabe que é parte da política brasileira? Você sabe que o seu voto e o voto de todas as mulheres brasileiras são centrais na disputa eleitoral?

Talvez, as respostas das perguntas acima sejam “não”. A maneira como se dá a política no Brasil e no mundo, por vezes, mantém a maior parte da sociedade distante das discussões que são primordiais na vida de todos os cidadãos e cidadãs. Apesar da importância de cada um de nós em relação aos rumos sociais, políticos e econômicos do país, nem sempre estamos “por dentro” do que é formulado e debatido nos espaços de tomada de decisões que tanto afetam a todos nós.

As mulheres são ainda mais afetadas por essa sensação de descolamento da política. Ainda que sejamos mais da metade da população brasileira, esse alto índice não está refletido nos parlamentos – os principais lugares onde se pensa o futuro do país. No Brasil, há cerca de 108 milhões de mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na Câmara dos Deputados, apenas 15% das cadeiras são ocupadas por mulheres². As mulheres negras somam quase 60 milhões entre os brasileiros, de acordo com o IBGE. Em relação a elas, a falta de representação é ainda mais grave: somente 2% do Congresso Nacional é ocupado por pessoas negras do gênero feminino³.

Mas o que significa, na prática, tamanha disparidade entre o número de mulheres na sociedade brasileira e a representação delas na política? Por que é tão importante garantir a presença de mais mulheres nessa instância? 

Primeiro, é essencial compreendermos o que é fazer política na esfera institucional. São algumas as possibilidades de incidência na política institucional. A principal delas é encabeçar um mandato político escolhido a partir do voto dos eleitores e das eleitoras. As possibilidades de cargos são de deputados/deputadas federais, estaduais e distritais, vereadores/vereadoras, senadores/senadoras, prefeitos/prefeitas, governadores/governadoras e, claro, presidente/presidenta. Este último somente foi ocupado por uma mulher entre 2011 e 2016.

A economista Dilma Rousseff foi a primeira (e até agora a única) mulher a ocupar o posto mais alto de comando do Brasil. A demora em mais de cem anos até chegarmos a uma presidente do gênero feminino, bem como as circunstâncias que levaram Dilma a ser deposta do cargo de presidente, são sintomáticas a respeito do tratamento dispensado às mulheres que optam pela via da institucionalidade como caminho para as mudanças sociais.

A maioria esmagadora das mulheres que se encoraja e adentra a política institucional é alvo constante de violências das mais diversas. As hostilidades por elas enfrentadas são o resultado de, pelo menos, duas opressões estruturais no Brasil: a misoginia e o racismo. A misoginia pode ser traduzida como uma repulsa às figuras femininas e remete àquela ideia arcaica de que as mulheres não têm capacidade intelectual o suficiente para resolver questões para além do âmbito privado, doméstico. Ainda de acordo com essa percepção, as mulheres somente estariam aptas a cuidar dos afazeres da casa, do marido e dos filhos. Evidentemente, esse é um pensamento que não encontra lastro na sociedade brasileira, em que milhares de mulheres se desdobram diariamente entre atividades profissionais, educacionais e de atenção à família, à religião e à comunidade.

A outra discriminação impulsionadora da violência de cunho político é o racismo, que pode se expressar nas instituições, no cotidiano e também em relação às religiões de matriz africana (umbanda e candomblé). No Brasil, o racismo é herança direta dos mais de trezentos anos de escravização dos corpos negros durante a Colônia e o Império. Após o fim da escravidão enquanto regime socioeconômico, a situação dos negros ex-escravizados se assemelhava a uma condição de semi-cidadania, em que esses sujeitos estiveram apartados do rol de direitos fundamentais (educação, habitação, não discriminação, etc.).

Esse cenário de completa restrição de direitos se mantém até os dias de hoje, já que a população negra ainda está marcada pelos índices sociais mais drásticos, como baixa escolaridade, baixa renda, fome ou insegurança alimentar, encarceramento em massa, violência policial, entre outros problemas.

Portanto, as mulheres negras, quando se colocam na esfera pública, são atravessadas pelo machismo e pelo racismo. Cotidianamente, mulheres negras parlamentares sofrem uma modalidade específica de opressão: a violência política. Para elas, os partidos políticos e demais instituições que constituem a política brasileira deveriam garantir a segurança física, digital e psicossocial para o exercício pleno de seus mandatos.

Diante de um panorama tão dramático para as mulheres no Brasil, por que se engajar politicamente? A parcela feminina da população brasileira é a que mais sofre com as violências e desigualdades que marcam o país. São as mulheres que mais sentem a inflação dos preços, a fome, as deficiências na educação e nos transportes e a violência policial contra seus filhos. Se são as principais protagonistas das mazelas, certamente são capazes de superá-las. Identificadas como as principais beneficiárias de programas sociais, elas também têm a competência necessária para formular políticas públicas que abracem todos os brasileiros.

Apesar de poucas no poder institucional, as mulheres no Brasil têm um histórico marcante de atuação em espaços de luta por direitos humanos, como associações, coletivos, sindicatos e entidades

Por isso, a participação feminina na política é tão essencial. Hoje, as decisões estão concentradas nas mãos de homens brancos pertencentes à elite política e econômica do país; estes não chegam a representar nem 1% da população brasileira 4. A “fotografia do poder” 5 no Brasil precisa retratar as vivências das mulheres – grupo que conhece como ninguém a realidade brasileira.

Para tanto, o envolvimento político é fundamental, e o primeiro passo é o autorreconhecimento enquanto agentes de transformações. Inclusive, no âmbito da institucionalidade, é possível se engajar em outras frentes, tal como em campanhas, em assessorias parlamentares, na Justiça Eleitoral ou na gestão pública (ministérios, secretarias e coordenações a nível federal, estadual ou municipal).

Contudo, o engajamento político feminino não deve se restringir à institucionalidade. As mulheres no Brasil têm um histórico extremamente marcante na atuação em outros espaços de suma importância para a luta pelos direitos humanos. Associações de bairros e favelas, sindicatos, coletivos feministas, coletivos negros, movimentos LGBTQIA+, entidades em prol da liberdade religiosa, movimentos pela democratização da habitação ou da cultura e outras muitas possibilidades de incidência são lideradas por mulheres no Brasil.

Vale destacar a história de Laudelina de Campos Melo, grande ativista na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas. Mulher, negra, pobre e empregada doméstica, Laudelina defendeu sua classe e impôs a urgência de essas profissionais serem respaldadas pelas leis trabalhistas para que pudessem promover atividades no âmbito de sindicatos. Atualmente, esse segmento detém direitos trabalhistas como quaisquer outros meios laborais. Empregadas domésticas hoje podem ter suas carteiras de trabalho registradas, receber 13º salário, tirar férias remuneradas, seguro-desemprego e outros direitos essenciais. Certamente, todas essas conquistas são fruto direto da mobilização de Laudelina ao longo de 60 anos de ativismo.

Quando as mulheres se engajam politicamente em um país tão desigual como o Brasil, o resultado não é outro além da formulação de medidas que beneficiam o maior grupo demográfico do Brasil e todo o restante do país. Mas, para surtir esse efeito positivo a todos nós, esse engajamento deve vir alinhado à defesa dos direitos humanos e da democracia. Deve prezar pela vida e pela dignidade de todos os brasileiros e brasileiras, independentemente da identidade racial, do gênero, da classe social ou da religião.

Notas

¹ Gabrielle Abreu é historiadora, pesquisadora e coordenadora da área de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog. Faz parte do Movimento Mulheres Negras Decidem, que debate a sub-representação de mulheres negras na política institucional brasileira.

² Disponível em: https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/de-17-cadeiras-na-camara-dos-deputados-apenas-duas-sao-ocu padas-por-mulheres-395962/. Acesso em: 28 ago. 2022.

³ Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/08/02/mulheres-negras-ocupam-apenas-2-das-vagas-no-congresso-nacion al. Acesso em: 28 ago. 2022.

4 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/12/705-mil-homens-brancos-tem-renda-maior-que-a-de-todas-as-mulheres-negras.shtml. Acesso em: 28 ago. 2022.

5 Termo frequentemente mobilizado pela socióloga e ativista negra Vilma Reis, da cidade de Salvador, na Bahia.

1 comentário

  1. Maria Isabel Schwab em 25 de julho de 2023 às 19:05

    Muito bom o texto.

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