Mulheres na linha de frente: a luta por direitos não cessa!

por Marília Gomes (educadora do Usina de Valores)

Vivemos numa sociedade estruturalmente racista, sexista e classista. Na qual, nós mulheres, somos historicamente subjugadas e violentadas. Entretanto, devemos ficar atentas que não #somostodasiguais. Há diferenças e sobretudo desigualdades entre as mulheres, pois as opressões atingem de maneira diferente cada mulher. Nesse sentido bell hooks (2015) enfatiza que “nem tudo mobiliza a todas”. Por exemplo, quando interseccionamos as opressões de raça, gênero e classe, as mulheres negras são as que mais sofrem com as opressões e as que ocupam a base da pirâmide social. Essa noção de interseccionalidade, de acordo com Patrícia Hill Collins (2019), nos ajuda a compreender  melhor o elo entre esses múltiplos sistemas de opressão, sem tomar apenas um como principal ou primário. Para Collins, o conceito interseccionalidade ajuda a ampliar o olhar sobre a realidade social e entender as especificidade das lutas das mulheres negras. 

As intelectuais do feminismo negro, como a americana Patrícia Hill Collins e a brasileira Lélia Gonzalez, enfatizam que a produção de conhecimento localizado articula teoria e prática, ou seja, se pauta na luta por direitos e justiça social. Por isso, esse texto não é um texto-notícia, é um texto-luta, que se pauta num discurso e numa prática que defende os direitos humanos e sobretudo a luta das mulheres. 

As expressões da dominação e opressão patriarcal, muitas vezes, são sutis e  encobertas sob o manto do cuidado.  A palavra “cuidado”, apesar de ser um substantivo masculino, é historicamente ligada às mulheres. A elas é imposto o cuidado da casa, da família, dos filhos. Se o filho segue um caminho “errado”, a primeira coisa que a sociedade grita é: “Cadê a mãe desse menino?”. Se os pais ou algum parente adoece? A mulher, muito provavelmente a filha, que dormirá nos corredores frios e desumanos dos hospitais. Se a filha adolescente engravida, o que geralmente se diz: “A mãe não cuidou, deixou essa menina muito solta”. Se o marido trai, sai de casa, abandona os filhos, a culpa é, sem dúvidas, da mulher que não soube cuidar da casa, que não deu atenção integral ao marido, que não se cuidou, vivia desleixada.

Poderia citar diversos outros exemplos de como a mulher é sobrecarregada quando falamos sobre cuidado. Mas, o foco desse texto é outro. É a luta, substantivo feminino, que nos interessa. Cansamos de falar sobre as opressões que nos fazem perder o brilho, as forças, a vida. Queremos falar sobre nossas potências, nossas forças coletivas, nossa luta diária de enfrentamento a essas opressões e sobretudo queremos falar sobre nossas conquistas.

As mulheres sempre estiveram na linha de frente das lutas sociais. Há séculos, as mulheres reivindicam condições melhores para seu bem-viver e lutam  contra as diversas formas de dominação patriarcal. Por isso decidi trazer à memória a luta de algumas dessas mulheres. As mulheres indígenas lutaram contra os invasores, que queriam colonizar não apenas sua terra, mas seus costumes, suas crenças. As mulheres negras de África que lutaram contra a escravização dos seus corpos, como por exemplo a nossa referência no Brasil, Aqualtune. As mulheres europeias que reivindicaram ter igualdade de direitos jurídicos, o direito à educação, ao voto, à propriedade e à liberdade profissional, coisas que os homens já possuíam. As diversas mulheres guerrilheiras que lutaram contra regimes fascistas nos seus países, a exemplo das Mujeres Libres, organização anarquista feminista espanhola que enfrentou o ditador Francisco Franco e das Las Mariposas, grupo formado pelas irmãs Mirabal que foram assassinadas por fazerem oposição ao ditador Trujillo. 

Falando especificamente sobre as conquistas das mulheres brasileiras, destacamos a organização e a luta das trabalhadoras domésticas, que desde 1930 reivindicam direitos trabalhistas. Laudelina de Campos Melo foi uma das precursoras desse movimento.  Não podemos jamais esquecer das centenas de mulheres militantes que foram mortas na resistência à ditadura militar. As mulheres negras que denunciaram o racismo contido no movimento feminista e trouxeram à cena pública brasileira a crueldade da escravidão e a objetificação das mulheres negras, a exemplo da intelectual negra e militante, Lélia Gonzalez. As mulheres rurais que se organizam e lutam desde a década de 1980 pela garantia dos direitos trabalhistas, como carteira de trabalho assinada, 13º salário, férias, etc. 

Margarida Alves é uma das principais referências da resistência das mulheres do campo, ela foi brutalmente assassinada. Ainda nesse período da história, o movimento de  mulheres se organizaram  para pensar políticas públicas para as mulheres, principalmente nas áreas de saúde e segurança.  Foram criados: Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e vários equipamentos de assistência às mulheres vítimas de violência, como a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher que teve sua primeira unidade fundada em 1985 em São Paulo. Tivemos diversas outras conquistas importantes resultantes da organização e da luta das mulheres, como a Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, o aumento das mulheres nos espaços de poder, a consolidação e a criação de diversos grupos, movimentos e organização de mulheres, dentre outras. 

 Destacamos também o fortalecimento de algumas lutas que eram invisibilizadas, como a luta contra o encarceramento em massa, a luta contra genocídio do povo negro e a luta pela descriminalização das drogas. Mas, porque trago essas três lutas em específico? Porque são as mulheres, principalmente as mulheres mães, que estão na linha de frente delas. São mulheres que perderam seus filhos pela violência do estado, são mulheres que viram seus filhos serem incriminados, torturados e mortos pelas estruturas racistas do estado, que prega uma política de drogas que combate principalmente as pessoas negras de periferia. São as mulheres mães que lutam para que seus filhos e filhas, com doenças raras, possam ter direito ao medicamento a base de maconha. 

Atualmente, diante do caos e da crise pandêmica do Covid-19, as mulheres reafirmam seu compromisso com a luta pelos direitos humanos, pelos direitos das populações mais vulneráveis, e mais uma vez lideram as lutas pela garantia a soberania alimentar e de proteção de higiene as pessoas em situação de rua, das pessoas desempregadas, das pessoas encarceradas, as mães, e a todas as pessoas de periferia que não tem de onde tirar dinheiro para alimentar os seus. A solidariedade também é um substantivo feminino e diz muito de como a luta das mulheres é feita historicamente.

Hoje, aquele pedido por um xícara de açúcar à vizinha se ampliou, no Brasil todo diversas campanhas de arrecadação de alimentos tomam conta das grupos, movimentos e organizações sociais. E elas estão lá, na linha de frente, nas ruas, becos, vielas e morros,  de máscara, luvas e muita disposição para ajudar, dando o novo significado a palavra cuidado, retirando a imposição e dando um imperativo político e coletivo a ela. Elas também ocupam os espaços de poder, cobrando através da institucionalidade, políticas públicas que resguardem os direitos humanos e garantam o bem-viver de toda a população. 

É sobre essa potência coletiva da luta das mulheres que nós vamos bater um papo na próxima quinta-feira, com duas convidadas de referência para a luta das mulheres no Brasil, Mônica Cunha, mulher negra, mãe, carioca, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ e fundadora do Movimento Moleque, e Karla Recife,mulher negra mãe,  historiadora e co-fundadora da Frente Favela Brasil. A live terá como mediação outra mulher de referência para a luta das mulheres, Ingrid Farias, mulher negra, mãe, articuladora social do Usina de Valores. Como disse Angela Davis, na sua passagem pelo Brasil em 2017, essas mulheres estão “mantendo acesa no planeta, as chamas de liberdade”. Vamos juntas porque a luta por direitos não cessa!

REFERÊNCIAS

ARANTES, Rivane. Meditações sobre feminismos, relações raciais e lutas antirracistas. Recife: SOS Corpo, 2018. 

COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento; tradução Jamille Pinheiro Dias. – 1. ed. – São Paulo: Boitempo, 2019.

DAVIS, Angela. “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”. Salvador: UFBA, 2017. (Conferência). Disponível em: <<https://medium.com/revista-subjetiva/transcri%C3%A7%C3%A3o-da-palestra-de-angela-davis-atravessando-o-tempo-e-construindo-o-futuro-da-luta-contra-6484111fe25a>>

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.

hooks, bell. Mulheres negras moldado a teoria feminista. In: Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, jan.-abri. 2015.

Universidade Livre Feminista. Linha do tempo do movimento feminista. Disponível em: <<https://feminismo.org.br/historia/>>

7 comentários

  1. Caroline Lima da silva em 12 de maio de 2020 às 19:48

    Parabéns por sua dedicação prima!! 😘

  2. Ìyalasé Helaynne Sampaio em 12 de maio de 2020 às 20:12

    Salve a força das nossas ancestrais pretas! Salve as mulheres das comunidade de terreiro, coração da luta e da resistência negras! Salve a minha afilhada Marília Nascimento (Agibonã do Ilê Obá Aganjú Okokoyá e bailarina nagô do Balé Nagô Ajô, corpo de dança do Afoxé Oyá Alaxé) pela pontente partilha.

    Adoro palavras, elas significam muito para mim, realmente comunicam, por isso finalizo com a seguinte frase ancestal da minha mãe Ìyá Maria Helena Sampaio: “Axé e Ancestralidade Nagô”.

  3. Ìyáláse Helaynne Sampaio em 12 de maio de 2020 às 20:21

    Salve a força das nossas ancestrais pretas! Salve as mulheres das comunidades de terreiros, coração da luta e da resistência negras! Salve a minha afilhada Marília Gomes (Agibonã do Ilê Obá Aganjú Okokoyá e Bailarina Nagô do Balé Nagô Ajô, corpo de dança do Afoxé Oyá Alaxé) pela pontente partilha.

    Adoro palavras, elas significam muito para mim, realmente comunicam, por isso finalizo com a seguinte frase ancestal da minha mãe Ìyá Maria Helena Sampaio: “Axé e Ancestralidade Nagô”.

  4. Ìyáláse Helaynne Sampaio em 12 de maio de 2020 às 20:26

    Salve a força das nossas ancestrais pretas! Salve as mulheres das comunidades de terreiros, coração da luta e da resistência negras! Salve a minha afilhada Marília Gomes (Agibonã do Ilê Obá Aganjú Okokoyá e Bailarina Nagô do Balé Nagô Ajô, corpo de dança do Afoxé Oyá Alaxé) pela pontente partilha.

    Adoro palavras, elas significam muito para mim, realmente comunicam, por isso finalizo com a seguinte frase ancestal da minha mãe Ìyá Maria Helena Sampaio: “Axé e Ancestralidade Nagô”.

  5. Ìyáláse Helaynne Sampaio em 12 de maio de 2020 às 20:29

    Salve a força das nossas ancestrais pretas! Salve as mulheres das comunidades de terreiros, coração da luta e da resistência negras! Salve a minha afilhada Marília Gomes (Agibonã do Ilê Obá Aganjú Okokoyá e Bailarina Nagô do Balé Nagô Ajô, corpo de dança do Afoxé Oyá Alaxé) pela potente partilha.

    Adoro palavras, elas significam muito para mim, realmente comunicam, por isso finalizo com a seguinte frase ancestal da minha mãe Ìyá Maria Helena Sampaio: “Axé e Ancestralidade Nagô”.

  6. Ìyáláse Helaynne Sampaio em 12 de maio de 2020 às 20:47

    Saúdo a força das nossas ancestrais pretas, as mulheres das comunidades de terreiros, coração da luta e da resistência negras, e a minha afilhada omoorixá da Oxum Marília Gomes (Agibonã do Ilê Obá Aganjú Okokoyá e Bailarina Nagô do Balé Nagô Ajô, corpo de dança do Afoxé Oyá Alaxé) pela potente partilha. Excelente texto!

    Como adoro palavras que entoam saberes ancestrais e que empoderam, valorizam e visibilizam a luta e a resistência negras, finalizo o meu afeto e gratidão com a seguinte frase ancestral da minha mãe Ìyá Maria Helena Sampaio: “Axé e Ancestralidade Nagô”.

  7. Carmen em 12 de maio de 2020 às 21:38

    Texto muito bom. Além de informativo é positivo para o encorajamento das mulheres nas suas frentes de lutas.

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