PALAVRA É VISÃO! AS MANIFESTAÇÕES DAS JUVENTUDES QUE FORJAM NOVOS SUJEITOS ATRAVÉS DA ESCUTA

Por Pollianna Abreu

Meus cumprimentos a todas e todos que acessam este texto, por habitual que é saudar aqueles de quem nos aproximamos e também por saber que, como nós, os destinatários estão dispostos a se comunicar em torno do que nos identifica até então, a busca por novas formas de integração, dentro dos âmbitos de direitos humanos universais. 

O Slam é uma batalha de poesias que acontece pelas ruas e praças, onde qualquer pessoa com poema pode recitar para o público e jurados que compõe a platéia, sendo estes das mais variadas faixas etárias, etnias e classes sociais.

Aqui tratamos da complexidade que atravessa as diversidades, compostas por limitações cabíveis aos que buscam provocar mobilização em respeito a defesa dos direitos conquistados e que reforçam a potência de ambientes de questionamentos para formação do ser no mundo. 

Dirijo-me como integrante do Slam das Manas, e neste momento, represento um grupo. E, como grupo, também somos representação ou, como já citada em nossa Carta Pedagógica – dirigida ao XXI FÓRUM DE ESTUDOS E LEITURAS DE PAULO FREIRE -, com base no conceito de Chartier (1991), onde Sandra Makowiecky diz que “(…) um fato nunca é o fato. Seja qual for o discurso ou o meio, o que temos é a representação do fato. A representação é uma referência e temos que nos aproximar dela para nos aproximar do fato.”

Enquanto Slam das Manas trabalhamos com condições que vão além do “falar”, trata-se do despertar através da palavra, ou melhor, da escuta, onde acontece a disposição em um círculo que visa romper a hierarquia estabelecida ao “poder da fala” que, geralmente, afasta palco de público. Ensejamos a aproximação através da fala-escuta, distinguindo espectadores/ouvintes como atores conjunturais. 

Por este texto, me posiciono enquanto mulher, parte de um grupo que compreende que toda construção social genuína advém de necessidades. Sendo assim, nossa organização surgiu através da identificação de que em espaços “mistos”, muitas vezes as pautas abordadas pela comunidade Queer e mulheres, não obtinham tanta atenção quanto quando levantadas por sujeitos masculinos, que, em essência, não conheciam aquelas realidades.

Considerando que estes (Slam’s), são ambientes voltados para o empoderamento através da fala, o “falar” sobre algo, por vezes, se torna mais importante do que a própria denúncia. E dado que um dos requisitos avaliados é a interpretação, os meninos tinham – e tem – mais facilidades em se posicionar, abordando as mesmas pautas, sem empiricamente conhecê-las, recebendo notas classificatórias, enquanto aos “sujeitos femininos” cabiam notas baixas. Logo as denúncias sobre abusos, opressões e tabus, com voz trêmula e presa aos acontecidos, passaram a silenciar, cedendo seu espaço a quem as deveria escutar. 

A partir da inquietação surgida dessas observações, iniciei uma pesquisa que durou mais de seis meses sobre esse comportamento coletivo, dentro e fora dos Slam’s, buscando referências de Arte Marginal, analisando artigos, vídeos e indo ao Slam Estadual, o maior encontro do estado quando o assunto é poesia marginal.

Considerei a possibilidade de promover um Slam, onde o público tivesse consciência de que os assuntos seriam em torno das observações femininas. Devo ressaltar que consideramos de extrema importância a existência de espaços de fala mistos, tal qual a relevância da participação do campo masculino, acerca das discussões sobre gênero, sexualidade e relações. 

Sabemos que as demandas sociais estão para além de projeções atribuídas aos Slam’s, ainda assim, reconhecendo a importância de nossas ações, nos referimos a um espaço onde o ato de poetizar atravessa a condição do reconhecimento social, seja pela identificação com as vivências abordadas, ou com os próprios privilégios nos temas levantados. Isto, em prol do desenvolvimento dos presentes enquanto sujeitos, visando as possibilidades, promovemos um espaço de trânsito para pautar a margem, através da visibilidade e integração de temas que se referem a atual estrutura social e ao anúncio de guetos pensantes e questionadores. 

Nos dispomos a acolher, conduzindo o momento para que a maioria sinta-se à vontade e segura, para de fato exercer a escuta e praticar diálogos que estruturem novas percepções e perspectivas, consideramos o desenvolvimento humano nosso maior direcionador. Portanto, acreditamos que as “notas” não são para definir em escala, melhor ou pior, focamos em estabelecer a relação coletiva, onde deve haver responsabilidade sobre o que se diz, o público é determinante no desempenho dos poetas.

Não se trata de atingir uma meta, o “estar pronto”, nada mais é que um modo de espera estabelecido para rechaçar as diferenças e desmotivar quem as vive. Estimulamos a ação de apropriar-se das vontades individuais em favor do coletivo. Coexistir nas diferenças. 

Acreditando nos apontamentos de Freire, quando atribui o conhecimento empírico como fonte de saberes, temos ciência de que o contexto de vida é determinante e fundamentador nas maneiras de comunicar e receber informações. Refletimos, também, sobre a posição que cabe aos ambientes educacionais, como não necessariamente sendo escolares, mas como fortes atuantes no comunicar como formador de nova educação, onde a assimilação diária se desenvolve em proveito das demandas do bem viver comum a todas e todos. 

Enquanto cidadãos, compartilhamos vivências sociais que se mostram com enfática falta de solidez. Representantes que não representam avanços a longo prazo, políticas de desmanche e economia intratável, acima de tudo, modelam as sociedades subdesenvolvidas, nos âmbitos em que o declínio se estrutura.

Não há tempo para nos abster ao martírio que se move através de militâncias emocionais, não há a quem culpar quando o que temos é o agora, nem como entender o agora exigindo explicações às larvas de nossos filósofos. Abrem-se feridas cujos tratamentos tradicionais não serão suficientes. É preciso estar no agora, reconhecendo as possibilidades que nossos saberes nos permitam acessar.

Por isso, disponibilizamos essa ferramenta de denúncias na transformação social que exige criticidade para com os nossos e atenção às manifestações da arte pela educação, sem esquecer que a contradição é essencial dentro do exercício da cidadania para a mudança. 

Vemos a arte como manifesto, educa. Porém, é frequentemente espontânea, o que na situação da qual viemos e de acordo com os espaços que adentramos, não se mostra como alternativa. É preciso direcionar os questionamentos com que se manifesta, e questionar os direcionamentos, para que o reconhecimento dos nossos deixe de orbitar entre a polêmica e o exótico, atribuições há muito dedicadas aos guetos.

Polêmica é fonte de ignorância, estática e desconfortável, alimenta a comunicação sensacionalista e autodestrutiva, indiscutível, não dispõe possibilidades. Também não há como considerar positiva a exposição do nosso trabalho como exótico, somos a base da sociedade, representamos uma maioria, a estranheza das manifestações destas e destes jovens é a negação de que somente as bases sociais inquietas podem desestabilizar estruturas de dominação autoritárias, sabendo do nosso direito de reivindicação, interagimos como parte desse processo. 

Procuramos compreender os sinais, como aponta Paulo Freire, através da “leitura do mundo e das palavras antigas e novas (…), intuindo o que pode ocorrer nesta ou naquela dimensão de experiência histórico-social”. Acreditamos que estes jovens que encontram seu espaço de fala por meio das batalhas de poesias já são atuantes de um movimento político-cultural, bem como aderimos a essa construção e através desta, outros ambientes que contribuam para que a promoção de diálogos viabilize “a palavra para ser”, dentro de nosso alcance de pertença, e que possamos ampliar as palavras e o ser através destas experiências. 

Neste momento, estamos inclinadas a construção de espaços de debate, como demanda das atividades do Slam das Manas. A ideia é dar vazão a estas reflexões, através de um espaço direcionado a falar sobre as pautas abordadas durante as atividades e levantar contradições pertinentes a sujeitos carregados de criticidade, mas ainda presos ao próprio desenvolvimento pessoal, dado que nossos poetas, em maior número, são adolescentes, considerando que os parâmetros territoriais também são limitantes de outras observações.

E é natural que seja desta forma, pois são delimitações estruturais, nos dispomos a intentar a subversão através da dialogicidade, com poetas, público e especialistas abordando temas delicados abertamente, livre da aura escolar que veda questionamentos pertinentes de nossa época. Consultamos público e artistas e obtivemos seu respaldo para tais atividades. 

Nosso trabalho é feito de acordo com os passos que firmamos através de planejamentos, de análises do que está a nosso alcance, e resoluções flexíveis, sem nos ater a parâmetros inalcançáveis. Nosso desafio é constituir um novo modelo de interação, que tendo como central a fala, seja direcionado pela escuta como forjadora de novos valores. Visamos sujeitos sociais, não peças de uma linha de produção (mesmo na arte), que desestabiliza a humanidade e historicidade de cada um. 

Ao longo do texto, não pontuei objetivamente os temas indicados, por crer que o próprio desenvolvimento do Slam, anda de mãos dadas às propostas do Usina de Valores. Deixo aqui um forte abraço as companheiras e companheiros que não se conformam com a justiça parcial nem com as medidas que causam o apagamento de nossas histórias. E, como tantos de nós, se dispõe a dedicar seus dias ao anúncio de possibilidades, o trabalho que efetuamos visa a integração com outros meios de resistência e luta, e é muito gratificante observar que apesar das dificuldades, estamos diagnosticando o presente, reformulando e traçando caminhos. Seguiremos!

Referências: 

FREIRE, Paulo. Denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho. In: [BRASIL; SENADO FEDERAL. O livro da profecia: o Brasil no terceiro milênio. Brasília: Coleção Senado, 1997]

● MAKOWIECKY, Sandra. REPRESENTAÇÃO: A PALAVRA, A IDÉIA, A COISA, 2003. Disponível em: <file:///C:/Users/Roberto/Downloads/2181-15890-1-PB.pdf citações internet >

*A Carta Pedagógica destinada ao Fórum será lançada em uma plataforma online da Universidade de Caxias do Sul (UCS), específica, ainda não endereçada.

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