Violência nas comunidades Periféricas: Uma questão de negação dos Direitos Humanos

Por Doranei Alves (1)

O cenário brasileiro é de total inversão dos valores e conceitos que integram os Direitos humanos, sua história e sua importância para a garantia da dignidade de seu povo. O projeto societário vigente no Brasil atual vem propagando e defendendo a cultura do ódio, criando no imaginário social a ideia de que Direitos Humanos é para defender marginais, vagabundos, imaginário esse que vem contribuindo para o amplo processo de desconstrução do que historicamente foram conquistados como instrumento de garantia da dignidade da pessoa humana, ou seja, direitos para toda humanidade.

A partir da realidade vivida pelas famílias soteropolitanas vamos ter um “papo reto” sobre Direitos Humanos nas comunidades periféricas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, visitando inicialmente a etimologia das palavras: Direitos e Humanos, segundo o dicionário online Aurélio, direitos significa “o que pode ser exigido em conformidade com as leis ou a justiça”, já o termo humano, o mesmo dicionário define como: “do homem ou a ele relativo”.

Nesse sentido, podemos inferir de forma resumida e simplista que Direitos
Humanos são direitos garantidos por leis aos homens e que podem ser por eles exigidos. Levando em consideração a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada em 1948 que demarcou os direitos básicos de toda a humanidade e que representou em um contexto de extremo caos no pós II guerra mundial “a culminância de um processo de reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano e da
necessidade de respeito à igual dignidade de todos […]” (SCARIOT, 1996, p.81 apud STORK).

Após exatos setenta e um anos da DUDH documento que define o conjunto de direitos inerentes à humanidade e que em seu artigo 3º diz: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Para inicio de conversa e entendendo

(1) Doranei Alves de Jesus – autora desse texto, assistente social, especialista em Serviço Social e Seguridade Social, Mestre e doutoranda em Estudos sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (NEIM/UFBA). E-mail: doraalves73@hotmail.com, cel.: (71) 99619-7794

A vida como “bem maior” surgem questionamentos como: a que tipo de vida as famílias das comunidades de Salvador, Bahia, Brasil têm direito: uma vida com dignidade? Ou a uma sobrevida, marcada por traços desumanos da luta cotidiana, inclusive, a luta para continuarem “vivos”, ou seja, refletir sobre direitos humanos nas comunidades periféricas tem como ponto de partida sua ausência, a negação do direito de existir, do direito mais elementar da humanidade que é o direito à vida.

Ao pensarmos os Direitos Humanos como a materialização de direitos básicos para a humanidade, como: o direito a vida, a ir e vir, a alimentação, a saúde, ao desenvolvimento integral com acesso à educação, profissionalização, emprego e renda, dentre outros aspectos imprescindível à efetivação da dignidade da pessoa humana, as comunidade periféricas vivenciam um onda de retrocessos e negações que os colocam a margem do desenvolvimento pleno, enquanto integrantes de uma sociedade ao quais as
riquezas foram e são socialmente construídas. Na contramão dos Direitos Humanos enquanto:

[…] resultado de lutas e embates políticos e estão sujeitos a
avanços e retrocessos. Por esta razão observamos que, ao longo
da história, e ainda hoje, determinadas classes e grupos sociais
tem sido relegado a cidadãos de segunda categoria com menor
acesso aos direitos vigentes na sociedade, seja em seu aspecto
normativo seja em seu exercício. Direitos Humanos é uma
conquista e esta conquista tem percorrido um caminho cheio de
idas e vindas, avanços e recuos.

(PITANGUY, p. 34, 2014).

Ainda sobre o artigo 3º da DUDH fazendo uma reflexão referente “à liberdade e à segurança pessoal” nos remete às situações de violências urbanas às quais as famílias vivenciam e estão submetidas nas comunidades que se apresentam de várias formas e ângulos, não apenas nos dados estatísticos, mas no cotidiano das comunidades, principalmente, violências institucionais como: falta de acesso ou péssima qualidade
dos serviços públicos, violência policial, violência doméstica familiar, pobreza extrema etc.

Segundo a Revista Brasileira de Ciências Sociais “cerca de 21 milhões de
brasileiros podem ser classificados como indigentes e 50 milhões como pobres” (2000, p.142). Referente à questão da violência urbana o município de Simões Filho, Bahia, por exemplo, ocupa o 1º lugar no ranking dos municípios brasileiros em homicídio da população jovem, ainda segundo o Mapa da Violência: Juventude Viva, o homicídio de jovens brancos sofreu um decréscimo de 26,4% no período de 2002/2011, já referente aos jovens negros houve um aumento de 30,6% no mesmo período, ou seja, as comunidades periféricas vêm sendo marcadas pelo genocídio de seus jovens negros.

Nesse sentido, a negação dos direitos humanos nas comunidades periféricas tem gênero, raça e geração e vem atacando principalmente o nosso bem maior que é o direito a vida, fazendo milhares de famílias passarem pelo sofrimento das mortes precoce de seus filhos, se a pobreza extrema determina as condições de vida e condiciona o modo de viver dessa população, as violações do conjunto de direitos que compõem os Diretos Humanos legitimam a sua ausência, invertem o seu sentido, difamam seus valores e fazem destas letras mortas em seus instrumentos legais.

Porém, vale dizer que sobreviver para as nossas comunidades é resistir
coletivamente e enquanto houver luta, haverá esperança. E o papo reto é que sabemos que nenhum projeto societário é único, fixo ou inabalável e neste sentido, seguiremos na organização comunitária, na exaltação dos valores que nos formam enquanto indivíduos que aprendemos no dia-a-dia com os nossos presentes e com os nossos antepassados que nos ensinaram e nos ensinam a resistir, reinventar o caminho, mas nunca perder a
direção, ou seja, terá luta sempre.

REFERÊNCIAS

Dicionário do Aurélio. Site: https://dicionariodoaurelio.com/direitos. Pesquisa em 22 de julho de 2019.

Ética e direitos humanos [recurso eletrônico] / org. Cleide Calgaro, Luis Fernando Biasoli, Cesar Augusto Erthal – Caxias do Sul: Educs, 2016.

PITANGUY, Jacqueline: Os Direitos Humanos das Mulheres. 2014.
BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane.
Desigualdades e Pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 15, nº42, 2000.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência. Juventude Viva. Homicídios e
Violências no Brasil. 2013.

1 comentário

  1. Nidjamena Marlei Tude Martins em 7 de janeiro de 2020 às 19:59

    Entre ambiguidades e conflitos, a vida nas comunidades segue. As pessoas vão encontrando meios para torná-la viável a partir de uma organização social própria.
    Parabéns pelo texto, acho importante falar da real expectativa de vidas de quem vivi nas comunidades.

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