Cadê as mulheres negras nos espaços de poder?

Com Gabrielle Abreu

Apesar de poucas no poder institucional, as mulheres no Brasil têm um histórico marcante de atuação em espaços de luta por direitos humanos, como associações, coletivos, sindicatos e entidades


Cadê a vivência das mulheres, sobretudo das mulheres negras, na “fotografia do poder” no Brasil? A convite do Usina de Valores, a historiadora Gabrielle Abreu provoca uma reflexão sobre a falta de representatividade nos espaços institucionais e, mais do que isso: sobre as potencialidades das mulheres no engajamento político, a partir da atuação que já exercem em outros espaços.

Historiadora e pesquisadora, Abreu é coordenadora da área de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog e faz parte do movimento Mulheres Negras Decidem, que debate a sub-representação de mulheres negras na política institucional brasileira. Seu pensamento joga luz ao valor do Engajamento Político, um dos norteadores do projeto Usina de Valores.

Fotografia do poder

“A maneira como se dá a política no Brasil e no mundo, por vezes, mantém a maior parte da sociedade distante das discussões que são primordiais na vida de todos os cidadãos e cidadãs”, constata Abreu. As mulheres são ainda mais afetadas por esta sensação de descolamento da política: “Ainda que sejamos mais da metade da população brasileira, este alto índice não está refletido nos parlamentos – os principais lugares onde se pensa o futuro do país”. Ela cita que, na Câmara dos Deputados, apenas 15% das cadeiras são ocupadas por mulheres. Em relação a mulheres negras, a falta de representação é ainda mais grave: somente 2% do Congresso Nacional é ocupado por elas.

Entre tantas possibilidades de incidência na política institucional – por exemplo em campanhas, assessorias parlamentares, Justiça Eleitoral, ministérios, secretarias e coordenações – a principal forma é encabeçar um mandato político escolhido a partir do voto dos eleitores e das eleitoras. Nestes cargos, seja nos legislativos ou executivos estaduais, federais e municipais, a proporção feminina é sempre baixa. Abreu nos lembra que a presidência da República, o mais alto posto de comando do país, só foi ocupada por uma mulher entre 2011 e 2016, com a eleição da economista Dilma Rousseff:

“A demora em mais de cem anos até chegarmos a uma presidente do gênero feminino e as circunstâncias que levaram Dilma a ser deposta do cargo de presidente são sintomáticas a respeito do tratamento dispensado às mulheres que optam pela via da institucionalidade como caminho para as mudanças sociais˜

Segundo a historiadora, as mulheres que se encorajam a adentrar a política institucional costumam ser alvos de violências diversas, principalmente violência política, como resultado da misoginia e do racismo, duas opressões estruturais no Brasil. 

“A misoginia pode ser traduzida como uma repulsa às figuras femininas, remete àquela ideia arcaica de que as mulheres não têm capacidade intelectual o suficiente para resolver questões para além do âmbito privado, doméstico”, explica. “Evidentemente, este é um pensamento que não encontra lastro na sociedade brasileira, onde milhares de mulheres se desdobram diariamente entre atividades profissionais, educacionais e de atenção à família, à religião e à comunidade”.

É papel das instituições garantir condições adequadas para sua atuação:

“Cotidianamente, mulheres negras parlamentares sofrem uma modalidade específica de opressão: a violência política. Para elas, os partidos políticos e demais instituições que constituem a política brasileira deveriam garantir a segurança física, digital e psicossocial para o exercício pleno de seus mandatos.”

Reconhecer-se como agente de transformações

Segundo Abreu, é um problema que as decisões estejam concentradas nas mãos de homens brancos pertencentes à elite política e econômica do país, que não chegam a representar nem 1% da população brasileira: “A fotografia do poder no Brasil, para usar o termo de Vilma Reis, precisa retratar as vivências das mulheres, grupo que conhece como ninguém a realidade brasileira”.

Atividade do Usina de Valores em São Paulo

Para tanto, o envolvimento político se faz fundamental e, ela defende, isso começa pelo “autorreconhecimento das mulheres enquanto agentes de transformações”. É importante considerar o engajamento político feminino para além da institucionalidade:

“As mulheres no Brasil têm um histórico extremamente marcante na atuação em outros espaços de suma importância para a luta pelos direitos humanos. Associações de bairros e favelas, sindicatos, coletivos feministas, coletivos negros, movimentos LGBTQIA+, entidades em prol da liberdade religiosa, movimentos pela democratização da habitação ou da cultura e outras muitas possibilidades de incidência são lideradas por mulheres no Brasil.”

Abreu cita como exemplo a trajetória e conquistas de Laudelina de Campos Melo, grande ativista da luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas. Uma mulher, negra, pobre e empregada doméstica que defendeu sua classe. Hoje, esse segmento detém direitos trabalhistas como quaisquer outros meios laborais. Lutas como essa podem contribuir muito com a sociedade brasileira, conclui Abreu:

“Quando as mulheres se engajam politicamente em um país tão desigual como o Brasil, o resultado não é outro além da formulação de medidas que beneficiam o maior grupo demográfico do Brasil e todo o restante do país, quando alinhadas à defesa de direitos humanos e da democracia”.

Leia mais:

Artigo: Mulheres e Engajamento Político, por Gabrielle Abreu

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